A Revista Brasileira de Ensino de Física publicou o artigo “Análise das contribuições da escola de física CERN no contexto do ensino médio (2010-2022)“, da professora do Instituto Federal da Bahia (IFBA), campus Salvador, Rafaelle Souza.
A pesquisadora conta que analisou os estudos empíricos revisados no artigo em publicações de periódicos acadêmicos brasileiros, e nos principais encontros da área de ensino de física, e apresentou resultados relevantes para a abordagem da física de partículas enquanto divulgação científica e em salas de aula do ensino médio.
De acordo com Rafaelle, o trabalho busca contribuir com a área de ensino de física de partículas em cursos de nível médio. A motivação para escrevê-lo começou com sua participação na Escola de Física da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN), entre os dias 2 e 9 de setembro de 2022, em Portugal e na Suíça, “com palestras, visitas aos locais do complexo, exposições e oficinas com as mãos na massa, além da introdução dos participantes à física de partículas e tecnologias de ponta”.
A docente informa que a Escola de Física é um programa educacional organizado pela CERN e pelo Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas de Lisboa, com colaboração da Sociedade Brasileira de Física (SBF), Sprace (São Paulo Research and Analysis Center), Renafae (Rede Nacional de Física de Altas Energias) e do Instituto Principia. Entre os objetivos da Escola estão expandir os conhecimentos de professores/as falantes de língua portuguesa na área da física moderna através de visitas a instalações e laboratórios, realização de cursos e palestras, além de sessões experimentais nos laboratórios.
Conhecido como o maior e mais moderno laboratório de física de partículas do mundo, a CERN foi criada em 1954 para avançar a ciência europeia, que estava bem atrasada na Europa por conta da Segunda Guerra Mundial. Idealizado por mentes como o físico francês Louis de Broglie e o físico e filósofo dinamarquês Niels Bohr e hoje apoiado por 22 estados-membros, a organização iniciou seus trabalhos focado no estudo do núcleo do átomo, mas acabou se tornando a incubadora de avanços científicos em outras áreas como a invenção da World Wide Web, telas táteis capacitivas entre outros. Recentemente chamou a atenção do mundo por conta do LHC (Maior acelerador de partículas do mundo) onde foi descoberto o Bóson de Higgs. Atualmente emprega cerca de 2.400 pessoas, que trabalham em tempo integral. São mais de 11 mil cientistas e engenheiros, oriundos de 580 universidades de 80 nacionalidades.
A Revista Brasileira de Ensino de Física é uma publicação da Sociedade Brasileira de Física (SBF) voltada à melhoria do ensino de física em todos os níveis de escolarização. Ela publica artigos sobre aspectos teóricos e experimentais de física, materiais e métodos instrucionais, desenvolvimento de currículo, pesquisa em ensino, história e filosofia da física, política educacional e outros temas pertinentes e de interesse da comunidade engajada no ensino e pesquisa na área.
Após saber da publicação do artigo na Revista Brasileira de Ensino de Física, a Página do IFBA – Campus Salvador convidou a pesquisadora Rafaelle Souza para conversar um pouco sobre o ensino da física, conhecimento científico em meio às fake news, representatividade feminina e vida inteligente fora da Terra na visão da física. Rafaelle é licenciada em física, especialista em Educação e Práticas Pedagógicas Interdisciplinares e mestra em Ensino de Ciências e Matemática, todos pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Possui doutorado em Ensino, Filosofia e História das Ciências pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) com doutorado sanduíche na Universidade de Burgos (Espanha). Foi professora substituta na UEPB e na UFBA e, antes de lecionar no campus Salvador, foi professora de física do campus Seabra. Ela realiza pesquisas na área de Física Quântica e Educação Científica.
Página do campus Salvador – Professora Rafaelle, para começar explique-nos, por favor, por que em geral existe esse mito que a física é uma disciplina difícil ou pouco acessível? Tem alguma experiência vivida em sala de aula para dividir conosco sobre esse receio dos/as alunos/as em geral?
Rafaelle Souza – O mito de que a física é difícil pode ser atribuído à complexidade dos conceitos envolvidos e à necessidade de compreender abstrações matemáticas. Além disso, muitos alunos/as têm experiências de aprendizado negativas devido aos diversos métodos de ensino. No entanto, uma abordagem prática, interesse genuíno e recursos didáticos adequados podem tornar a física mais acessível e compreensível. Em sala de aula, eu costumo contextualizar o ensino da física com o nosso dia a dia. Daí quando um/a aluno/a demarca sua resistência à disciplina, eu busco formas para revelar a física enquanto uma área fascinante do conhecimento.
PCS – Poderia dar uma noção aos/às nossos/as leitores/as sobre física das partículas e como ela está presente nas notícias que acompanhamos diariamente na imprensa e no nosso cotidiano?
RS – A física de partículas explora as partículas fundamentais que compõem o universo e as forças que atuam entre elas. Ela está presente nas notícias e no cotidiano de várias maneiras. Por exemplo, aceleradores de partículas, como o Large Hadron Collider (LHC), são frequentemente mencionados. Descobertas nesse campo, como o bóson de Higgs, têm impacto na compreensão fundamental da matéria. Além disso, avanços na física de partículas podem influenciar tecnologias, medicina e até mesmo questões filosóficas sobre a natureza da realidade. No Brasil, os aceleradores de partículas ficaram mais populares com o Sirius, localizado no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) em Campinas, São Paulo. Ele é um projeto brasileiro dedicado à pesquisa em ciência e tecnologia, com foco em física de aceleradores, ciência dos materiais e nanotecnologia. O acelerador de partículas Sirius é um sincrotron de quarta geração, um tipo avançado de acelerador que gera luz síncrotron para estudar materiais em escalas microscópicas. A luz síncrotron é utilizada em diversas áreas, como biologia estrutural, física de materiais, química e ciência da saúde. O Sirius contribui significativamente para a pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico no Brasil e internacionalmente.
PCS – Como a física das partículas e outros assuntos da física moderna e contemporânea podem despertar mais amor dos/as estudantes do ensino médio pela própria física e pelo conhecimento científico em geral? Como começou seu despertar pela física?
Para despertar o amor pela física nas aulas de ensino médio, é crucial tornar os conceitos mais tangíveis e relacioná-los ao mundo real. Demonstração de experimentos, aplicações práticas e conexões com avanços tecnológicos podem cativar os estudantes. Além disso, destacar a natureza intrigante e desafiadora das questões não resolvidas na física contemporânea pode inspirar curiosidade. Meu “despertar” pela física ocorreu ainda no ensino médio, por isso acho tão importante essa etapa formativa. A compreensão gradual de como os princípios físicos moldam o mundo ao nosso redor é desafiadora e ao mesmo tempo envolvente. A conexão de ideias de diferentes áreas da física foram aspectos fundamentais desse despertar.
PCS – Quem acompanha as notícias do IFBA acompanha iniciativas para despertar nas meninas estudantes o interesse pelas ciências exatas, como a Olimpíada Feminina de Matemática, dos professores Acelio Rodrigues e Ives Lima, diretor geral do campus, e o 1° Encontro de Mulheres na Física, realizado pelo Centro Acadêmico de Licenciatura em Física. Hoje temos na instituição diversas referências femininas nas áreas de exatas, incluindo a reitora reeleita da instituição, Luzia Mota que é professora da área de física. Sendo uma cientista mulher, como a senhora avalia esse momento de representatividade e o que é necessário ainda fazer para alcançar mais nos espaços educacionais?
RS – A representatividade feminina nas ciências exatas, como evidenciado nas iniciativas do IFBA, é crucial para inspirar mais mulheres a seguirem carreiras científicas. Esse momento de representatividade é positivo, mostrando que mulheres podem e devem ocupar espaços nas áreas de exatas. Para avançar ainda mais, é essencial promover ambientes inclusivos, garantir igualdade de oportunidades e combater estereótipos de gênero desde as fases iniciais da educação. Além disso, apoio contínuo, mentorias e programas que incentivem a participação ativa de mulheres em todas as etapas da educação e pesquisa são essenciais para construir uma comunidade científica mais diversificada e equitativa.
PCS – O conhecimento científico do/ brasileiro/a é menor em relação a outras nações? Caso sim, em que isso atrapalha em nosso cotidiano e nas tomadas de decisões? Nosso desempenho para compreender os riscos da pandemia ou nossa capacidade de identificar com mais facilidade uma fake news seriam maiores, por exemplo? De que forma o que foi aprendido durante a experiência na Escola de Física CERN, relatada no artigo da Revista Brasileira de Ensino de Física, pode transformar nosso país?
RS – O nível de conhecimento científico pode variar entre países, mas é importante evitar generalizações. No Brasil, existem excelentes pesquisadores e instituições, mas desafios estruturais podem impactar a disseminação do conhecimento científico. Um maior entendimento científico na população pode melhorar a capacidade de lidar com desafios, como a pandemia, ao promover uma compreensão mais precisa dos riscos e das medidas preventivas. Além disso, o pensamento crítico desenvolvido por meio da educação científica ajuda na identificação de notícias falsas. Experiências como a Escola de Física no CERN contribuem para a formação de cientistas e professores mais capacitados, podendo resultar em avanços significativos em pesquisa e educação no Brasil. A disseminação desse conhecimento pode inspirar novas gerações a se envolverem em ciência, impactando positivamente o desenvolvimento científico e tecnológico do país.
PCS – É possível dizer que a astronomia está entre os que mais chamam a atenção dos/das estudantes do ensino básico? Que tipo de conhecimentos da física é possível trabalhar falando de astronomia? Com os conhecimentos atuais da física já é possível dizer se temos ou não vida inteligente em algum canto do Universo?
RS – A astronomia muitas vezes fascina estudantes do ensino básico devido à sua natureza intrigante e às imagens impressionantes do cosmos. Ao ensinar astronomia, é possível abordar vários conceitos de física, como gravitação, óptica, espectro eletromagnético, mecânica celeste e até mesmo conceitos relacionados à relatividade ou física de partículas. No caso da física de partículas, ao discutir astronomia é possível explorar desde o Big Bang até fenômenos cósmicos extremos. Quanto à existência de vida inteligente além da Terra, a física atual não fornece uma resposta definitiva. Embora tenhamos descoberto uma grande variedade de exoplanetas em zonas habitáveis, a determinação da existência de vida extraterrestre ainda é uma questão em aberto. Pesquisas científicas, como as realizadas em astrobiologia, continuam explorando essa possibilidade, mas, até o momento, não há confirmação conclusiva sobre vida inteligente fora da Terra.
Com informações do site IFBA – Campus Salvador